Capítulo OITO
Tulan
Eu tinha acabado de descer da montanha, depois de um treino exaustivo
com Demetrides e estava em Tulan com Cibele, quando um homem estranho chegou
pedindo informações sobre meu mestre. Como os moradores de Tulan sabiam que eu
era aprendiz de Demetrides me indicaram ao homem.
Parecia um soldado, mas não se vestia como um soldado. Usava uma roupa
preta, colada ao corpo e um manto com capuz. Nada indicava de onde ele vinha.
Eu juraria que ele estava querendo se esconder de alguém. Trazia consigo um
envelope selado. E isso foi mais interessante ainda. Alguém de fora conhecia
Demetrides e agora estava mandando uma carta selada.
- Pode deixar comigo que eu entrego para o meu mestre. – Eu disse ao
sujeito.
- Minhas ordens são para entregar nas mãos do Mago e Sábio Demetrides e
assim o farei. – Respondeu aquele homem todo cheio de cerimônia.
Eu dei de ombro e indiquei o alto da montanha como a morada de
Demetrides. Ele olhou para o monte e para o alto e engoliu em seco.
- Vai ter que subir. – Brinquei. – Ele nunca desce. E não há maneira
mais simples. Eu sou o aprendiz dele. Sei subir e descer aquela montanha de
olhos vendados. Mas fique à vontade.
- Ele nunca desce? – Perguntou receoso. Acho que não tinha a menor
vontade de escalar uma montanha.
- Há exceções, claro – respondi, lutando para não rir do sujeito. –
Quando há situações de festa em Tulan ou quando ele precisa atender alguém. Uma
vez por mês ele desce para a reunião dos senhores de Tulan. – É claro que
Demetrides podia descer quando quisesse (e eu não sabia como ele fazia isso.
Com magia é evidente, mas ainda não sabia o como), mas não iria facilitar para
o cara. Se ele era soldado tinha que estar preparado para qualquer coisa,
inclusive escalar uma montanha pequena.
- Bem, não me indicaram que eu esperasse resposta, então, meu amigo, se
você é realmente o aprendiz do Sábio Demetrides, por favor, entregue isto para
ele. É muito importante. Ao menos foi o que me disseram. Ele saberá o que
fazer. – E ao finalizar me entregou o envelope que era escuro e tinha um lacre
com um selo real. A mim parecia um selo real. Como não tínhamos realeza em
Tulan, provavelmente viera de fora. E viera tão escondido que eu mesmo não vira
qualquer nave.
O sujeito tão rápido quanto viera retornou para onde quer que tenha
vindo. Fiquei ali pensando no que poderia ser. Fiquei virando o envelope como
se isso fosse me dizer o que havia dentro. Por fim me dirigi até a cabana de
Demetrides.
De tanto subir aquela montanha já tinha alguns atalhos prontos. Mas só
eu sabia. Rapidamente eu estava na cabana de Demetrides, batendo à sua porta.
- Mestre?
- Entre Layo. Eu estava aguardando essa mensagem. - Disse
tranquilamente.
“Como ele sabia que eu tinha uma carta”? Pensei. “Será que ele lê
pensamentos também”?
Entrei na cabana e o encontrei lendo um de seus intermináveis tomos que
eram verdadeiros compêndios. Tinha de tudo. Entreguei-lhe a carta. E quando eu
estava saindo ele me chamou.
- Layo, fique um pouco mais.
- Mestre, eu já terminei meu treino e minhas tarefas. – Respondi,
pensando que teria que ficar para mais algum trabalho.
- Eu sei meu jovem, mas o que tenho aqui você poderá saber, até porque
estou lhe treinando para o futuro e ao que tudo indica o futuro está mais
próximo do que pensei. – Disse indicando que eu sentasse.
Sentei e esperei. Ele pegou o envelope, olhou o selo que lacrava o
documento e o abriu. Enquanto lia foi ficando cada vez mais soturno, franzindo
o cenho. Quando terminou ele simplesmente abanou o documento e este pegou fogo
sozinho e se consumiu em chamas no ar.
- Alguém SABE... – Disse Demetrides sem olhar para mim. Na realidade
olhava para lugar algum. Naquele exato momento nem parecia que estava ali na
cabana. Ficou completamente imóvel.
De repente, como se tomasse ciência de que eu estava ali olhou para mim
e começou:
- Layo, o que vou contar não pode sair daqui. Nem para Cibele deve
contar. Quanto menos pessoas souberem, melhor. Até mesmo para a segurança de
todos.
Ele só continuou depois que acenei que sim, que iria manter segredo do
que fosse ouvir.
“Há centenas de anos atrás, em Duryn havia um rei muito sábio e bondoso.
Com ele, em conjunto, havia mais quatro Casas Reais de Poder. O símbolo dessa
união era um cetro. Um cetro de muito poder. Cada casa estava representada no
cetro, através de gemas de cores diferentes e essas cores é que substituíam as
Casas Reais de Poder: a azul, Duryn, a amarela representava a Casa Real de
Petry, a verde representava a Casal Real Arduyns, a cor preta era da Casa Real
Durant e a vermelha pertencia à Casa Real Travis”.
“Esse rei se chamava Ganymar e ele controlava as demais casas. Era um
líder generoso, mas rígido nas tradições. Ao seu lado, havia um grão-mestre, um
sábio, um homem de magia que auxiliava o rei em todas as questões. E esse sábio
também ajudava a controlar o poder do cetro. O cetro tinha um poder quase
cósmico, poderia construir, criar e controlava os seres vivos, tanto animais
quanto homens. Por exemplo: poderia em uma seca nascer água de uma rocha. Na
falta de alimentos ele fazia aparecer grãos. Mas se fosse usado por mãos
erradas poderia causar destruição em massa. Por isso era tão controlado pelo
rei e pelo seu grão-mestre. O cetro só era usado em duas ocasiões. Nas festas
tradicionais em que o rei se fazia presente no palácio e mesmo assim por pouco
tempo, para abençoar alguma união ou nascimento real e quando havia alguma
catástrofe no reino de Duryn, que abarcava todas as Casas Reais de Poder. Nessas ocasiões o cetro ajudava a consertar e
construir. Ninguém ficava sem ajuda”.
- Mas se era tão poderoso por que o Rei Ganymar não o usava mais? – Perguntei
curioso.
- Entenda... justamente por ser o cetro tão poderoso não podia ficar
sendo exibido. Isso causa ambição nas pessoas erradas.
“E foi exatamente o que aconteceu. Um soldado extremamente talentoso
galgou até o posto de comandante de um exército de uma das Casas Reais de
Poder. Seu nome era Zatar e ninguém conseguia derrotá-lo em qualquer tipo de
arma e ele tinha um conhecimento de táticas de guerra que superava em muito os
generais e comandantes da época. O fato de estarem em período de paz não
importava para ele. Queria mais e mais suplantar a todos. E conseguiu. Não
tinha adversário. Paralelamente ao seu trabalho como comandante ele foi
arregimentando um pequeno exército de mercenários. Treinou pessoalmente cada um
dos membros”.
“Em pouco tempo ele tinha os guerreiros mais bem treinados desta
galáxia. E este fato não passou despercebido pelos lordes das Casas Reais de
Poder e pelo Rei Ganymar, afinal há sempre um olho ou ouvido no reino e esse
olho ou ouvido chegou a Duryn”.
- E qual era o objetivo desse Zatar?
- Simples. Ele queria conquistar tudo. E para isso precisaria do Cetro
Real, pois com ele o seu pequeno exército de mercenários aumentaria e ele
poderia ter um exército de verdade. Desta feita ele poderia conquistar Duryn,
as Casas Reais de Poder e toda a nossa galáxia. Teria o poder do Cetro Real
para controlar as pessoas e destruir quem ele quisesse.
“Quando ele atacou a primeira Casa Real de Poder, a Travis, as pessoas
ficaram com medo. Estavam acostumadas com a paz e de repente estavam envoltas
em uma guerra. Não houve resistência em Travis. E isso logo chegou a Duryn. O
Rei Ganymar imediatamente mandou seu capitão da guarda reunir o exército real e
proteger as demais casas. O problema foi que com a conquista de Travis ele
conseguiu trazer mais soldados para seu exército de mercenários. E eles eram
sanguinários. Não tinham qualquer tipo de misericórdia”.
- E o Rei Ganymar conseguiu detê-lo? – Perguntei. Eu parecia uma criança
ouvindo uma história de fazer dormir.
- Conseguiu, mas a provação foi muito grande e as perdas também. – Ele
continuou.
“Quando Zatar seguiu para a próxima Casa Real de Poder, Arduyins, o
exército real já o aguardava. A luta fora sangrenta, mas Zatar, que era um
exímio soldado e tático, conseguiu vencer e rumava para seu próximo destino:
Petris”.
“Seu objetivo era claro: Duryn. E queria chegar lá por ultimo, quando
não tivesse mais nenhum exército para proteger o reino. Após um pequeno hiato
nas batalhas, apenas com algumas incursões de guerrilha, Zatar já tinha
novamente um exército”.
- Mas Mestre, o Rei Ganymar não poderia ter usado o Cetro Real desde o
primeiro instante? – Eu estava tentando entender o porquê da guerra sangrenta
que poderia ter sido evitada.
- Eu te compreendo meu pupilo, mas a questão era mais complexa do que
você consegue enxergar. Lembra que te falei sobre a bondade e generosidade do
rei? – Acenei afirmativamente. – Então. Ele não tencionava usar o Cetro Real,
pois isso poderia ser muito perigoso e ademais ele tinha esperanças de
conseguir deter Zatar antes de ter que usar o cetro.
“Zatar impunha o terror no reino todo e muitos tinham medo. E ele tinha
espiões em todos os cantos. Ele sempre sabia quais seriam os passos do rei e do
exército real. O Lorde da Casa Real Travis, juntamente com o Lorde da Casa Real
Durant se uniram ao exército do rei e armaram uma emboscada. Como somente os
comandantes sabiam do que iriam fazer isso não permitiu que Zatar descobrisse o
que aconteceria. E no Desfiladeiro das Lágrimas, como ficou conhecido
posteriormente pela terrível batalha que se seguiu, com muitas baixas, Zatar
teve a sua primeira derrota. Ele não digeriu muito bem isso e com o restante de
seu exército se dirigiu para Duryn. Queria a todo custo o Cetro Real e
tencionava pegar o rei desprevenido. Pretendia chegar primeiro ao palácio de
Ganymar e de surpresa atacar. Assim teria chance de obter o que tanto queria”.
“Mas ele não contava com uma coisa. Após a batalha do Desfiladeiro das
Lágrimas o Rei Ganymar tinha tomado uma decisão. Usaria finalmente o Cetro Real
para acabar com aquilo. Muita gente boa já tinha morrido com aquela guerra
insana e ele daria um basta”.
- Uau. O Rei Ganymar foi corajoso então. – Eu disse bem animado.
- Sim. Era isso ou a destruição total. Quando Zatar chegou a Duryn e ao
Palácio já estava sendo esperado. Ganymar também tinha espiões e assim pode
aguardar a chegada de Zatar. Quando o palácio foi cercado, Ganymar usou o cetro
e simplesmente fez os soldados simplesmente desaparecerem... mesmo assim ele
ainda foi generoso. Não matou os soldados, apenas usou o poder do Cetro Real
para transportá-los para cada canto conhecido da nossa galáxia. Eles foram
separados por mundos. Restou apenas Zatar que ainda tentou uma jogada. Um duelo.
- E o Rei aceitou?
- Não, é claro. Ele não era mais um jovem e em um duelo ele perderia,
mas como era leal ele aceitou, mas quem lutaria com Zatar seria o capitão da
Guarda. Seu nome era Pretorius. Era a completa antítese de Zatar. Um guerreiro
enorme e tão bom na arte da guerra quanto o seu adversário, mas com um coração
enorme. Zatar ainda tinha um plano: ele pretendia matar o Rei ali e se apossar
do Cetro Real, legalmente, e para isso fez o desafio do duelo, pois ele sabia
que não tinha guerreiro em toda galáxia que se opusesse a ele. Não sabia o quão
estava errado.
“No início do duelo ele até levou a melhor, fez Pretorius suar bastante
com seus jogos de espada e de pernas, e até atingiu algumas vezes o corpo do
Capitão da Guarda. Mas o que ele não sabia era que seu adversário estava apenas
cansando-o. Quando ficou mais cansado, Zatar começou a abrir a guarda e em um
determinado movimento achando que iria atingir mortalmente Pretorius, este
desviou do golpe no ultimo instante e atingiu Zatar no ombro, enfiando a espada
inutilizando aquele braço. Zatar estava eliminado... E sem necessidade de
matá-lo. E isso foi pior que a morte. Não foi dada a ele a chance de morrer
como um guerreiro. Ele foi exilado para fora do planeta e nunca mais foi visto”.
- E o que aconteceu depois? – Perguntei ansioso.
- O reino foi reerguido. As casas reais foram reconstruídas. E essa foi
a última vez que o Cetro Real foi usado. Para evitar que outro tentasse o mesmo
que Zatar o cetro foi dividido. As gemas foram separadas do cetro. Cada uma tem
poder, mas com limites. O que canaliza o poder das gemas é o cetro. Cada casa
real ficou incumbida de esconder suas gemas, pois era isso que elas eram, gemas
que representavam as suas casas. E Ganymar ficou com o cetro, sem as gemas. E
esse cetro também desapareceu. Nunca mais ninguém soube do seu paradeiro. Para
que as gemas voltem a ter o imenso poder de antes precisam do cetro.
“Nunca mais alguém viu o cetro. E a única representação gráfica dele é a
estatua que há no palácio de Duryn. Todas as pinturas e desenhos do cetro foram
destruídos e aquele que mantivesse ou um ou outro no reino seria duramente
punido. E assim, com o tempo o cetro virou lenda. Ate o dia de hoje, quando
recebi esta carta”.
- E o que aconteceu? O que diz na carta? – Eu estava cada vez mais
interessado.
- Diz que mais alguém sabe. Não existe lei, mas cada um representante de
sua casa tem o dever de saber a História do Reino e de sua Casa Real de Poder
e, principalmente, tem o dever de proteger a sua gema escondida. E uma das
gemas foi roubada de sua casa. É o que diz aqui.
- Mas... Mestre, como o senhor sabe de tudo isso. Há algum livro aqui
que diz isso?
- Não. Nada escrito. Lembra que eu falei que o Rei Ganymar era assistido
por um sábio, o seu grão-mestre? Um mestre de magias?
- Sim. Lembro. Era um ancestral seu?
- Não Layo... Era eu!
-x-x-
Antonio Henrique Fernandes
Autor.
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