O NAVIO FANTASMA
Por Antonio Henrique Fernandes
Fernando tinha acabado de ser chamado para trabalhar em um
lindo navio de cruzeiro. Um pouco antes de começarem suas férias da faculdade
ele fez inscrição para trabalhar durante o período, ganhar um trocado, porque a
coisa não estava fácil não. Os livros de medicina eram caros e ele precisava de
um bocado deles.
Sua irmã Nanda também fazia faculdade, de Direito, e fez a
mesma inscrição, e, para alegria dos dois, foram chamados para o mesmo
cruzeiro. Mesmo navio. Mesmo trabalho. Era como tirar férias em família, só que
trabalhando.
O único infortúnio é que teriam que embarcar três dias antes
do natal. Nesse caso passariam a data natalícia longe da família, porém, o fato
de estarem juntos compensava de certa forma a falta dos pais, Seu Geraldo e
Dona Armínia.
Fernando tinha conseguido o serviço de tradutor e
acompanhante e Nanda seria babá das crianças que precisassem, até porque,
dependendo do tipo de cruzeiro, haveria muitas crianças. Esse não era temático,
então muito provavelmente teria famílias inteiras. O navio pararia em Punta Del
Este, no Uruguai, para a festa natalina, grande sacada da empresa que reservou
o cruzeiro marítimo.
Na data marcada, os dois irmãos se despediram de seus pais,
no porto de Santos e embarcaram no Navio Mistério do Sul, de uma grande
companhia e que fazia rotas para o Uruguai, Argentina e litoral brasileiro.
— Boa viagem a vocês dois, aproveitem bastante e não esqueçam
de um cuidar do outro. — Disse o pai, dando um forte abraço nos filhos.
— Pode deixar pai, a gente sabe se cuidar. — Respondeu
Fernando.
Ao subirem no navio, foram para as suas cabines, se
instalaram e em seguida se apresentaram aos seus superiores.
De posse das regras e do trabalho que fariam a bordo do
Mistério do Sul, Fernando e Nanda partiram para iniciar seus serviços. Tinha
gente do mundo inteiro, era uma viagem especial, e os serviços de intérprete de
Fernando seriam bem utilizados.
Nanda não seria a única babá a bordo, sua supervisora avisara
que haveria muitas crianças e então outras babás foram contratadas. E crianças
de todas as idades e nacionalidades. Esse era um dos principais critérios para
ser contratada por cruzeiros de verão e férias, ter conhecimento de pelo menos
o Inglês. E tanto Fernando quanto Nanda eram fluentes na língua. Estudaram
muito, o que também ajudaria na faculdade.
O primeiro dia foi de muito trabalho para ambos, pois os
passageiros estavam muito encantados com o navio e o que ele podia oferecer.
Muitas piscinas, salas de cinema, salas de musculação e ginástica, além de
restaurantes, lojas e um cassino.
No terceiro dia, véspera de Natal, o navio logo chegaria a
Punta del Este e como era uma data especial, ao invés de seguir para Buenos
Aires, ficaria até o amanhecer e depois dos festejos partiria para a capital
argentina. Até então tudo ia bem, os irmãos aproveitaram cada minuto
dessa viagem, aprendendo, trabalhando e ganhando muitas gorjetas.
No entanto, já na viagem de retorno, logo após passar por
Punta del Este, quando estavam em navegação, já bem perto da meia noite,
Fernando, em um momento de folga, resolveu passear pelo deck com sua irmã.
Nenhum dos dois havia encontrado uma pessoa especial, tão preocupados estavam
em trabalhar e ganhar o seu suado dinheirinho. Então, nessa noite estavam passeando
juntos pelo deck, em uma noite agradável, quando mais para dentro do Oceano
Atlântico, o tempo começou a mudar. Perceberam que havia muitas nuvens se
aproximando, mas o que mais chamou a atenção de Fernando, que conhecia um pouco
de navegação, era que as nuvens estavam se aproximando contra o vento. O vento
não estava tão forte, mas as nuvens mais acima estavam na mesma direção do
navio. O céu de Lua Cheia mostrava claramente as poucas nuvens se movendo em
direção contrária àquelas que Fernando tinha visto como tempestade.
Aparentemente era uma tempestade marítima se aproximando. Com
o navio daquele tamanho, não teriam tanto problema. Claro que se fosse uma das
grandes tempestades, o navio iria oscilar, balançar, mas seguiria a viagem...
só um Ciclone ou uma super tempestade faria com o que o navio se aproximasse da
costa para esperar a passagem do mal tempo.
O certo é que observando melhor para aquele fenômeno,
Fernando notou que as nuvens não atingiam uma grande vastidão, parecia bem
isolada e tinha, além de raios e trovões, uma espécie de névoa, ou então era
muita chuva, que deixava tudo sem visibilidade. Provavelmente era essa segunda
alternativa...
O vento ficou mais forte, e Nanda, que estava de gorro, teve
que segurar com a mão para que a vestimenta não fosse levada pelo vento.
Não havia muita gente andando pelos decks, até porque era
tarde. E como estava frio, o povo estava mesmo era se esquentando ou na
danceteria ou no cassino. E fora os irmãos, mais ninguém que estava passeando
notou a tempestade iminente.
O pessoal da tripulação que estava na ponte também tinha
percebido a tempestade e mudou um pouco a trajetória do navio, tudo para desviar
daquelas nuvens. Contudo, Fernando também percebeu que mesmo com o pequeno
desvio, as nuvens, também realizaram o mesmo desvio. Ou seja, mantinha rota com
o navio. E isso foi bem estranho.
— Nanda, você está vendo o que estou vendo? — Perguntou
Fernando à sua irmã, apontando para as nuvens acima deles e para aquela
aglomeração de nuvens que se mexia como tempestade próxima.
— Sim. Tem algo que não está batendo. Aquelas nuvens de
tempestade está se aproximando mais rápido do que o navio está se movendo... e
isso não deveria estar acontecendo, já que o navio está a favor do vento. Além
do que eu também vi que o navio fez uma pequena mudança em sua rota, acredito
que justamente para evitar aquelas nuvens.
— Exato. Que é estranho, é sim. Mas não me parece perigo à
vista.
Mais estranho ainda foi que quando terminaram de falar, como
se tivesse ouvido os irmãos, a “tempestade” apressou o passo.
Fernando poderia jurar que entre raios, trovões e nevoeiro,
viu um mastro com um cesto na gávea, mas galeões não navegavam há muito tempo.
Muito mesmo.
Dentro da ponte, o Capitão Moacir pensou a mesma coisa quando
baixou o seu binóculo, após ver exatamente a mesma coisa que Fernando e Nanda.
Repassou o objeto para o seu imediato, Celso, que ao ver
aquilo se lembrou de muitas histórias que havia ouvido e dos livros que havia
lido.
— Capitão, sei que vai me achar louco, e realmente parece
loucura, mas ouvi muitas histórias de um navio que ninguém gostaria de
encontrar em mar aberto. Um navio amaldiçoado que causava infortúnios a quem
cruzasse em seu caminho.
— Besteira Celso. Ainda mais se estiver falando do famoso
Holandês Voador. Esse tipo de história todo mundo já ouviu, mas são meras
lendas dos antigos navegantes para explicar coisas que ninguém entendia na
época... principalmente os naufrágios. Pura desculpa de pessoas incompetentes.
— Eu sei, Senhor, mas... por precaução é bom passar longe
daquilo ali.
— Muito bem, mande o piloto alterar a rota em 15 graus a
noroeste, vamos nos aproximar mais da costa. Por precaução, como você disse.
A rota foi alterada, mas a rota das nuvens não. Continuava em
direção ao navio em que Fernando e sua irmã trabalhavam. E dava a impressão de
ter aumentado a velocidade.
Somente a tripulação na ponte e os dois irmãos haviam visto
aquilo, o restante da tripulação e passageiros não tinham o menor o
conhecimento do que estava acontecendo.
As nuvens se aproximaram com mais velocidade e de repente deu
para perceber que realmente se tratava de um navio. Um galeão enorme, com
mastros levantados, no entanto, as velas estavam todas rasgadas, e o próprio
navio em péssimas condições, até mesmo de navegar.
Antes que pudessem fazer qualquer coisa, foram apanhados pela
tempestade sombria, que os envolveu completamente.
A coisa foi toda muito rápida.
Quando Fernando e Nanda deram por si, o navio continuava a
sua rota, o céu continuava limpo, em sua Lua Cheia, com poucas nuvens. E nem
sinal das nuvens que os envolveram. Nem do galeão.
Terá sido uma alucinação?
O que os irmãos não sabiam é que o navio estava à deriva
naquele momento, pois no interior da ponte, todos os membros da tripulação
estavam mortos. Não havia ninguém pilotando o enorme navio.
E em seu caminho havia recifes...
FIM
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