O CANTO DO MAR
Por Antonio Henrique Fernandes
Roger e seu amigo Travis estavam em uma viagem ao redor mundo
em um veleiro, ou seja, um tremendo desafio!
Passaram mais de dois anos planejando, treinando e comprando
equipamentos que fariam a viagem mais fácil. Mas ainda assim fariam como os
primeiros navegadores... tentariam se localizar usando os mesmos instrumentos
que eles. Astrolábio, bússola e o sextante, e, é claro, as estrelas.
Evidentemente que a tecnologia seria usada, mas apenas em
momentos que realmente fossem necessários. Principalmente casos de emergência.
E teriam que contar com uma boa dose de sorte.
Ainda que tudo estivesse decidido, restava patrocínio, e
passaram cerca de seis meses tentando um patrocínio, afinal, muitos dos
equipamentos eram caros. E não tinham todo o dinheiro que precisavam para
realizar o feito. Além dos equipamentos tinham provisões a serem estocadas.
Estavam apreensivos, o que era natural ante o desafio que
iriam praticar, no entanto, confiavam um ao outro e na tecnologia.
Tudo começou no Porto de Southampton, na Inglaterra, de onde
se despediram de seus familiares e amigos. Se tudo desse certo, dentro de
algumas semanas estariam de volta e comemorariam em algum pub o êxito.
A primeira parte do trajeto era costear o continente
africano, área de perigo, não só pelo mar, uma boa parte infestado por
tubarões, mas teriam que passar por uma área que ainda se praticava a
pirataria. Além do mais, ao final passariam pelo Cabo das Tormentas.
Roger e Travis estavam com sorte, pois passaram sem nenhum
problema por toda a Costa Ocidental da África e pegaram tempo razoavelmente bom
ao chegar no Cabo das Tormentas. O
destino agora seria uma parada rápida em Madagascar onde fariam a reposição das
provisões e reporiam também a energia. Afinal, dormir no barco era complicado.
Tudo estava dentro do planejado.
Dois dias depois voltaram ao mar e foram direto para a Índia,
com uma passagem pelas Ilhas Maldivas. E
até parece que haviam feito algum pacto com o Deus do Mar, Posseidon, pois pegaram
mar calmo e sol, muito sol em seu caminho.
Tanto sol que tiveram que usar muito creme protetor contra os
raios solares. E com o mar calmo dava até mesmo para dar uma paradinha e fazer
uma pequena pescaria.
Passaram pelo Sri Lanka e seguiram para a Indonésia. Fariam a
volta pela Oceania e iriam até o Japão.
A Oceania também não é flor que se cheire, águas mais
turbulentas e tantos tubarões quanto na Costa Africana. Mas visitar as ilhas da
Oceania era um dos melhores roteiros que esperavam nessa viagem, bem como
algumas ilhas do Oceano Pacífico, ilhas com praias de água cristalina e sol o
ano inteiro. Mas foi na Austrália que tiveram muitos bons momentos, visitando
lugares famosos e tirando fotos com os cangurus e coalas, símbolos daquele
país.
Com novas provisões, seguiram a longa viagem, sem atropelos
para o continente asiático, encerrando a primeira parte da viagem no Japão.
Tiraram alguns dias para descanso e conheceram o país do Sol Nascente e sua
cultura incrivelmente rica.
A parte mais complicada da viagem vinha agora, pois só teriam
ilhas em seu caminho, e o Pacífico era enorme. Iriam passar por dois lugares
muito frios, já que terminariam de cruzar o oceano no Alasca, fazendo algumas
escalas nas famosas ilhas do Oceano Pacífico.
E para não dizer que tiveram o tempo todo o sol de veraneio,
pegaram uma forte tempestade no meio do caminho, mas o veleiro suportou bem e
os dois marinheiros também foram se saíram muito bem nos momentos mais
adversos. Só tiveram a perda de alguns objetos e instrumentos, mas nada que
fosse insubstituível. Assim que chegassem ao continente americano iriam repor.
No entanto, o Alasca seria apenas um ponto em toda a sua
viagem, pois parariam mesmo era no Havaí, onde também ficaram para conhecer a
sua cultura e descansar, pegando um sol, depois de cruzarem pelo território
gelado americano. Era como ir do polo ao deserto em questão de horas. Do frio
ao calor. Definitivamente para eles o calor era muito melhor que o frio.
Roger era mais calmo e mais claro também, para ele o frio era
mais interessante, já que quando pegava sol ficava mais vermelho que camarão.
Travis era moreno, e adorava sol. Praia era com ele mesmo. E
tinha uma vivacidade e sagacidade sem igual. Ele que era o navegador da dupla.
O capitão era Roger, até mesmo porque era o mais tranquilo e já tinha viajado
de barco antes. Tinha mais experiência.
A costa americana não era difícil, e ainda passariam pela
América Central, lugar de ataque de muitos navios piratas, no século XVI.
Justamente passaram por Santo Domingo, que era um desses locais que serviam de
porto seguro.
A melhor parte da viagem era tirar muitas fotos e postar nas
redes sociais, além de mandar para os parentes e causar algum tipo de ciúmes ou
inveja nos amigos. É claro que a intenção maior era dar prova de que tudo
estava bem e que continuavam a viagem em tranquilidade. Aproveitavam as paradas
para conversar com os parentes, já que em alto mar as comunicações eram
praticamente nulas. Mesmo usando um rádio amador.
Mas foi na Ilha da Páscoa e nas Ilhas Galápagos que mais se
divertiram e tiraram muitas fotos. E sentiram o que Charles Darwin deve ter se
sentido quando chegou às Ilhas Galápagos. Era muita espécie animal para ver.
Uma biodiversidade comparável à da Floresta Amazônica.
Agora que o bicho ia pegar, pois passariam pelo famoso Cabo
Horn, onde é conhecido como o Fim do Mundo, local de difícil navegação, muitos
ventos, o que normalmente acontece no encontro de dois oceanos.
Em se tratando de instabilidade no tempo, provavelmente não
haveria outro lugar igual no planeta.
Antes de chegar ao cabo, tomaram todas as precauções devidas.
Não iriam querer naufragar ou perder o rumo justamente quando estavam tão
próximos de sua meta. Pois, era só atravessar o cabo, subir a América até o
Nordeste do Brasil e depois seguir para a Europa, ponto de chegada de sua
viagem ao redor do planeta.
Não sem antes conhecer as maravilhas do litoral brasileiro,
que eram famosos, principalmente o Rio de Janeiro e o Nordeste.
Como previsto, chegaram ao Cabo Horn e já pegaram águas bem
turbulentas. O vento era forte e então tiraram as velas, amarraram nos mastros
e ficaram dependentes apenas do motor do veleiro. Nesse momento não iriam ficar
ao critério somente da sorte, tinham que contar com o que tinha de tecnologia.
Para evitar bater em rocha ou recifes, passaram bem ao largo,
praticamente como se tivessem indo para a Antártida. E convenhamos, já estava
bastante frio. O vento cortava e congelava os amigos, e a água era muito
gelada, tendo eles que usar roupas que cortavam o frio e tentavam se manter
aquecidos o mais que podiam. De vez em quando revezavam no leme, e um ficava
dentro do veleiro, se protegendo e protegendo aos instrumentos que mantinham em
seu interior.
A muito custo, conseguiram passar pelo Cabo Horn e quando se
dirigiam para a região da Patagônia, começaram a ouvir sons estranhos, que
reconhecidamente não deveriam pertencer ao local.
Pareciam cantos, mas isso era impossível, a não ser que
tivesse algum navio por perto com a música bem alta. Mas ao olhar ao seu redor,
nada encontraram... só água e mais água. A costa não estava tão longe e em
breve estariam em terra firme.
Roger gesticulou com Travis se ele também estava ouvindo esse
canto, o que o amigo confirmou, tão surpreso quanto o outro. E também o canto
estava aumentando, como se estivessem se aproximando da origem do som.
Quando se aproximaram mais, Travis, que não estava no leme
avistou alguma coisa pulando ao lado do veleiro. Inicialmente pensou que fosse
um pinguim. O que seria normal. Ou um leão marinho. Até mesmo um golfinho. Mas
quando Roger apontou para a frente o que viu era algo retirado de um sonho.
No meio daquele Oceano, água por todo lado, e a costa ainda
longe, Travis avistou um rosto. Um rosto feminino. A mulher, ou o que quer que
fosse, foi subindo, até que ficou com o busto todo para fora da água, mostrando
belos seios. Do nada, a moça pulou e foi aí que a ficha caiu quando viram a
parte de baixo dela. Uma cauda de peixe.
Uma Sereia!!!
Sim, mas não era apenas uma. Roger avistou pelo menos mais
três do seu lado esquerdo, enquanto que Travis contava cinco do seu lado. Era
incrível.
Nesse instante, os cantos recomeçaram, e vinham das sereias
que estavam aparecendo para os pobres navegadores.
Travis, que estava mais próximo da amurada do veleiro, ficou
imóvel, com os olhos vítreos, e sem que Roger pudesse fazer qualquer coisa,
subiu na amurada e pulou no mar, aos gritos de PARE de Roger.
Roger pensou logo que Travis ficara maluco e na mesma hora se
lembrou de todas as histórias de pescador que ouvira em sua vida.
Principalmente as que envolvia sereias. E com desespero nos olhos, lembrou-se
que o canto das sereis hipnotizava qualquer um e fazia entrar no mar, para
nunca mais voltar.
Imediatamente tirou a mão do leme e tentou proteger os
ouvidos, já que não podia salvar o amigo, tentaria ao menos se safar.
Tarde demais!
Os cantos retornaram, mais fortes e quando Roger pensava que
não, sua mente parou, anuviada, seus olhos fitaram apenas o horizonte, como se
estivessem perdidos em pensamento. Em
sua cabeça só vinham, além dos cantos, as palavras: pule... pule... pule.
E sendo mais forte que ele, Roger largou do leme, foi até o
lado do veleiro e também se jogou ao mar.
Dois dias depois, alguns pescadores encontraram o veleiro,
que tinha batido em algumas rochas, mas não tinha afundado.
Seus ocupantes nunca mais foram encontrados.
FIM...
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