quarta-feira, 1 de março de 2017

VIAGEM LITERÁRIA - Conto Caminho para um continente perdido - Lendas Marinhas

Caminho para um continente perdido.




Por Antonio Henrique Fernandes


Amanhecia, quando o casal de mergulhadores saiu com o barco para mais um dia de mergulhos. Sandro e Patrícia faziam isso há muitos anos e ambos amavam o que faziam. E foi mergulhando que conheceram várias partes do mundo.  E conheciam outros apaixonados pelo mergulho profundo, não aqueles em que se mergulha a poucos metros do fundo, mas vários metros abaixo, e gostavam principalmente de conhecer grutas ou cavernas submarinas.

Sandro tinha 35 anos e Patrícia 30 e se conheceram mergulhando em Fernando de Noronha, onde tudo começou, a paixão um pelo outro e pelo esporte.

O equipamento que usavam era de grandes profundidades e sempre mergulhavam com dois cilindros de oxigênio, o que duplicava o tempo embaixo d’água. E mantinham mais quatro no barco. E justamente por conta do equipamento, eles não entravam em lugares muito apertados, caso contrário não conseguiriam sair ou pior, danificariam o equipamento, o que pode resultar até mesmo na morte de um deles. E tomavam muito cuidado. Era a vida deles, mas não perderam a sua preciosa vida por nenhum descuido.
Agora estavam em uma pequena enseada, no Mar Mediterrâneo, praticamente onde fazia fronteira com o Oceano Atlântico. Era um lugar muito bonito, cheio de peixes ornamentais e um fundo com recifes de corais. A vida marinha sempre fascinara o casal. Claro que havia problemas, como bater de frente com um tubarão, mas eles tomavam cuidado e não mergulhavam em lugares perigosos, onde se costuma ter peixes agressivos demais.

E de qualquer maneira, o tubarão só ataca se estiver faminto ou for agredido. Como qualquer animal.

O local era conhecido pelos amantes do mergulho por ser fundo e ter várias cavernas marinhas, e Sandro e Patrícia ainda não tinham visitado o lugar.

Planejaram por seis meses e agora estavam prontos para começar o seu passeio profundo.

Checaram várias vezes o equipamento e quando estavam prontos, fizeram o famoso sinal de positivo, com o polegar para cima e mergulharam.

A água era muito limpa, e havia muitos peixes bonitos, mais ainda do que aqueles que se vê nos aquários ao redor do mundo. Tinha peixe de todo tipo, pequenos, médios e até alguns e grande porte, mas nenhum que pudesse oferecer algum tipo de perigo aos dois.

Pelas indicações que receberam e pelo “mapa” que fizeram, logo avistaram a primeira gruta. Foram em direção a ela e entraram.

Era espaçosa e iluminada, o que significava que mais à frente tinha uma abertura, ou melhor dizendo, um poço natural. Foram adiante e logo encontraram o poço, tiraram o respirador e a máscara e ficaram boiando, curtindo a beleza natural da gruta. Não dava para ver de onde a luz chegava, mas causava um efeito muito bonito, dando vários tons de azul da parede ao teto. Enfim, era um respiradouro natural. Logo recolocaram o equipamento e voltaram.

A gruta era pequena e isso só aumentou o apetite de Sandro e Patrícia. Queriam mais. E tiveram. Um pouco mais à esquerda o casal viu mais uma abertura subterrânea. Entraram e nadaram mais ou menos uns cinquenta metros, e esse era mais escuro, precisando usar as lanternas submarinas.

Como sempre se faz nesse tipo de mergulho, ao chegarem na entrada da gruta ou caverna, eles lançam mão de uma espécie de corda, ou novelo, para que não se percam quando entram, pois, o interior pode ter várias passagens, e o ar não dura para sempre. Uma medida inteligente e que realmente protege. Qualquer semelhança com o famoso e lendário Labirinto de Minos não é mera coincidência.

No final, a gruta se revelou sem saída, com um enorme paredão fechando tudo. Tiraram algumas fotos de peixes e corais que encontraram e voltaram para a saída.
Ainda tinha pelo menos umas duas ou três aberturas para visitar, conforme tinham feito em seu mapa. No total, havia seis cavernas, e já tinham ido em duas.

Desta vez só iam em mais uma e depois retornariam ao barco, para descansar, hidratar e se alimentar. Trocariam o equipamento e voltariam para desbravar os demais.

A terceira gruta também se revelou pequena e sem muitos atrativos. Voltaram ao barco e fizeram o que tinham planejado. Nisso tudo há haviam gastado quase umas duas horas e se as outras fossem maior precisariam de mais tempo e ser mais rápido. Não seria prudente mergulhar no escuro.

Trocaram os equipamentos e comeram alguma coisa rápida e logo estavam novamente na água.

Entraram na primeira e já ficaram animados, parecia promissora. Bem grande e a vida marinha em seu interior era bem ativa. Viram muitos corais e peixes coloridos, mas à medida que iam mais adentro ia ficando mais escuro e os peixes diminuindo.

Com a cordinha amarrada, não se preocuparam em dar várias voltas. Até que Sandro observou algo que chamou sua atenção, talvez um peixe e quando olhou com mais atenção viu que havia uma outra saliência e abertura em seu lado direito, sinalizando para Patrícia o que tinha visto e que ia entrar. Patrícia tirou mais um novelo e amarrou na entrada dessa abertura, viram que tinha espaço suficiente para ambos, e munidos das lanternas e câmeras fotográficas foram em frente.

A agua ali estava mais fria e tudo estava muito escuro. Estranhamente perceberam que a vida marinha ali quase não existia. Só paredes de pedra. Até que depois de um certo ponto a água já não estava mais tão fria. Estava... esquentando?

O mais curioso foi que ao longo das paredes começaram a ver com as lanternas alguns símbolos estranhos, como se fossem marcadores, mas nunca em toda a sua vida, nem Sandro e nem Patrícia viram algo parecido.

Pareciam círculos concêntricos, na realidade, três círculos. E estavam muito perfeitos. Como a curiosidade sempre foi muito forte no casal, seguiram o que poderia muito bem ser um corredor, com paredes muito bem lisas e simétricas, e que não deveria estar ali. E sem perceber, as paredes desciam, quase que imperceptivelmente. Eles não perceberam, mas estavam descendo mais fundo.

Até que chegaram a uma confluência. E tiveram que tomar a decisão mais difícil da vida. Os novelos acabaram. Para seguir teriam que confiar nos instintos e na memória, ou então voltariam. Sandro verificou os equipamentos e quanto ainda tinham de oxigênio. Ainda tinham o suficiente, mas se chegassem a um ponto onde não daria mais para continuar, retornariam. Sem chance de negociação.

Por fim decidiram continuar. Nunca tinham visto aquilo e a curiosidade era muito grande. Iluminando a confluência, verificaram onde ainda tinham as estranhas marcas e nadaram na mesma direção.

Mais uns vinte metros adiante viram que agora o caminho subia. Olharam para cima e viram luz. Seria um novo poço? E estava bem iluminado.

Começaram a subir.

O que viram era fantástico.

Não era uma caverna... era algo muito maior. Gigantesco para ser mais exato. E tudo muito iluminado.

Sandro e Patrícia haviam chegado a uma cidade subterrânea.  Havia casas, torres, praças e muitas estátuas.

No início achavam que tudo estava abandonado e que tinham encontrado um tesouro, mas a coisa era mais impressionante ainda. Havia pessoas...

Eles deixaram os equipamentos fora do poço que alargava em sua entrada e saíram andando. Apenas usando a roupa de mergulho. As pessoas que viram estavam tímidas, como se nunca tivessem visto um homem ou mulher na vida, o que seria no mínimo incongruente, já que eram tão humanas quanto o casal que ali chegava.

Tentaram se comunicar, mas ou não queriam conversar ou não entendiam o que estavam falando. Tentaram então a língua inglesa, mas também não dera muito certo. Até que um homem, de porte elegante, cabelos grisalhos e barba longa, também grisalha, portando um cajado do qual em sua ponta apareciam a mesma imagem que viram no caminho: três círculos concêntricos. Se aproximou e levantou a mão para cima, em sinal de paz.

Tentaram se comunicar com o velho, que parecia ser o líder do lugar, inclusive usando gestos, mas era complicado.

Até que o velho fez um aceno para um dos que estavam presentes, que se aproximou e ouviu falar em seu ouvido. Imediatamente saiu correndo.

Sandro e Patrícia ficaram sem entender nada e continuaram tentando se comunicar com as pessoas.

De repente ouviram alguém falar em inglês. Que maravilha. Agora poderiam ser entendidos.

Um jovem de aproximadamente 25 anos se aproximou e se identificou como Georgius. Estava usando uma túnica de cor azul e sandálias. Sandro perguntou onde estavam e o jovem respondeu que estavam em ATLÂNTIDA.

Atlântida!!

Tanto Sandro quanto Patrícia precisaram se segurar em alguma coisa para não cair, pois de repente ficaram zonzos com a declaração do jovem Georgius.

Como assim estavam em Atlântida, questionou Sandro. E Georgius, com paciência começou a explicar a história. Enquanto isso, convidou o casal para comer alguma coisa e descansar, e então dirigiram-se para a praça central do lugar.

O que eles tinham visto era apenas uma parte e pequena. Cruzaram um lago que fazia uma curva pelo lado esquerdo e pelo lado direito, com uma ponte, atravessaram e uns duzentos metros depois a mesma coisa, o lado que fazia curva para os dois lados e mais uma ponte. Não demorou muito e atravessaram outra ponte, com o lado igualzinho aos demais.

Subiram um monte onde ficava o que parecia ser um templo, em uma praça com várias estátuas. As pessoas seguiam o casal, por curiosidade.

Lá de cima, quando pararam e sentaram em um banco sombreado por uma árvore enorme, Patrícia reparou em uma coisa e falou para Sandro. Os lagos. Eles rodeavam o centro do lugar. Exatamente como o símbolo que usavam. Três círculos concêntricos. Três anéis de terra, ligados por uma ponte.

Georgius então começou a explicar que há pelo menos uns 3 mil anos houve um cataclismo, ocasionado pela ganância do ser humano, e isso fez com que Atlântida fosse jogado para o fundo do mar, em um grande terremoto seguido por maremoto. Um rei de outro país querendo o poder que Atlântida possuía os invadiu. Seria um massacre, pois, não haveria guerreiros. O país deles era de gente trabalhadora e cientistas. Não homens que buscam o poder pelas armas, mas sim, conhecimento.

Antes desse rei, viveram na paz por milênios e isso garantiu muitos estudos e muitas benesses para os habitantes do continente.

Sandro perguntou então como conseguiram sobreviver ao cataclismo e Georgius respondeu que foi puramente sorte. Havia um campo de força que usavam para evitar invasões em seu território e o Rei do outro país, que também tinham grande conhecimento, lançaram armas potentes capazes de tremer a terra, e quando começou o terremoto, os cientistas atlantes o acionaram imediatamente. Houve perdas sim, mas o ato rápido salvou milhares de vidas. Com o maremoto, a ilha onde estavam simplesmente rompeu com o fundo do mar e assim submergiu, vindo parar no fundo.

A sorte, continuou Georgius, era que o fundo não era tão profundo, mas mesmo assim foi o suficiente para soterrar. O que os salvou foi o campo de força, que até hoje funciona. No dia que parar de funcionar todos morrerão. E o conhecimento do campo é passado de pai para filho desde então. E está aí justamente o fato de Georgius saber inglês.

Ele foi escolhido dentre tantos jovens para sair do casulo onde se encontram e saber como estavam na superfície, se estavam evoluídos o suficiente. Ele estudou nos Estados Unidos com documentos apresentados como se fosse um continente conhecido atualmente, o que foi proporcionado por voluntários que haviam saído anos antes e que conheciam o mundo atual.

Georgius conheceu cientistas, obteve o conhecimento que precisava e retornou para sua casa.

Ele então perguntou como chegaram até ali, e Sandro contou que estavam mergulhando em uma caverna, coisa que fazem há anos e ele notou alguma coisa se movendo e percebeu uma pequena abertura, por onde ele e sua esposa entraram, até que encontraram o caminho identificado pelos círculos concêntricos e, por fim, ao poço que deu exatamente em Atlântida.

Tendo conhecido várias lendas em torno de Atlântida, Sandro perguntou se eles viraram sereias e esperava que alguém risse disso. No entanto, o que se seguiu foi o mais profundo silêncio. Foi quando percebeu em algumas pessoas umas marcas no pescoço e aí ele tomou um susto. Eram guelras. Então eles podiam respirar na água também, como peixes.

Georgius confirmou. Ele mesmo não tinha, porque foi muito jovem para os Estados Unidos, e sua preparação o obrigava a não ter o que seus companheiros tinham. Mas os demais, desde pequeno foram treinados e preparados para respirar no fundo do mar. Os cientistas trabalharam para modificar o DNA dos habitantes, e o jovem os lembrou que já respiramos água quando estamos dentro da barriga da mãe. Então é como uma lembrança que retorna. Só que com uma ajuda da ciência.

Provavelmente Sandro tinha visto algum jovem ou pescador voltando para casa e o seguiu. Não conseguiu ver nada porque eles tinham uma agilidade muito grande dentro da água.

Sandro e Patrícia foram levados para um grande passeio onde conheceram os lugares mais importantes, como o templo, o palácio do Rei, que os recebeu muito bem e os fez parecer como chefes de estado na superfície. Depois foram conhecer os cientistas que prontamente mostraram alguns dos objetos e maquinários que usavam. Entretanto, não foram conhecer como era o campo de força por que era um segredo muito bem guardado.

O casal ficou muito maravilhado com tudo o que viram, parecia que estavam em um filme de época, já que ali nada tinha de atual, apesar de alguns maquinários que fariam muito bem nos dias de hoje. Brincaram com crianças, que sempre curiosas, faziam festa.

Até que Georgius disse que eles tinham duas escolhas a partir deste momento. Eles não eram guerreiros e nem matavam ninguém sem motivo, então para não correrem riscos de que o seu santuário submarino fosse descoberto e novamente atacado por causa de suas maravilhas e seus conhecimentos científicos, os dois podiam escolher ficar e fazer parte do povo de Atlântida, ou ir embora, só que nesse caso a memória deles desse período seria apagada e não lembrariam de nada, nem mesmo do lugar por onde entraram. Isso serviria para proteção de todos, até mesmo de Sandro e Patrícia.

Deram um tempo para eles pensarem. E tudo foi pesado na balança. Seria magnifico ficar, mas não poderiam ir embora, não poderiam mais conhecer lugares para mergulhar, e tinham os parentes, pais, irmãos, amigos. Enfim, decidiram partir, mesmo que perdessem a memória desses maravilhosos momentos, que qualquer um daria a fortuna para passar.

Foram levados a uma sala, onde foram colocados aparelhos em suas cabeças e segundos depois foram colocados para dormir. Tiveram o cuidado de apagar somente o que passaram nas últimas horas e depois os mais fortes pegaram os equipamentos e junto com o casal, foram até o barco deles, depositando os equipamentos e os dois ainda desacordados. Viram que não havia ninguém, o que favorecia e foram embora.

Ao passarem pela fenda que levava ao caminho do poço e, claro, a Atlântida, esta fechou-se, simplesmente desaparecendo e ficando apenas a parede da caverna submarina.

Quando Sandro e Patrícia acordaram, não se recordaram de nada e só estranharam o fato de estarem dormindo. Provavelmente alguma coisa que comeram ou tomaram fez com que dormissem, ou então estavam tão cansados da aventura das cavernas que caíram exaustos... como o tempo estava escasso para um novo mergulho resolveram sair dali e voltar outro dia.

Só que nunca mais voltaram àquele lugar. Que perdeu-se na memória.


Fim





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